PINTURAS EM PENICHE
Fotografia, Vídeo, Artes, Livros, Conversas, Documentos, História Local
18/04/2024
17/04/2024
14/04/2024
Como eu vi o meu pequeno mundo até ao 25 de Abril de 1974
Para falar deste tempo tem de se falar das condições de vida do povo, na
maioria esmagadora, analfabeto, pobre, sem cuidados de saúde garantidos.
Poderei falar de mim como miúdo. Que me lembre, nunca passei fome. Depois da
escola primária, da quarta classe, queria ir para o mar como o meu pai, mas ele
– avisado e conhecendo bem os sacrifícios dessa vida difícil – mandou-me para a
Escola Industrial e Comercial. Em boa hora o fez. Aos meus pais agradeço o sacrifício
de me manterem até ter o Curso Industrial, seguindo assim uma vida diferente daquela
para qual estaria destinado.
Em nossa casa, na Travessa da Fé, não havia luz eléctrica. Acabei o curso
a estudar à luz de candeeiro. Também não havia água canalizada, tinha de acartar
a bilha cheia de água ao ombro para o aparador, etc. Mas nós tínhamos tecto, agasalhos,
não havia acepipes, mas comida quente na mesa. Quantos milhares não tinham as
condições mínimas?
Falar de antes do 25 de Abril é falar dos invernos de muitas
dificuldades, como por exemplo, no defeso da sardinha, os barcos estavam
parados durante três meses, e sem ganhar sustento para a casa, funcionava o “rol”,
nas mercearias, algumas, vendiam fiado os bens mais essenciais para sustento da
família, dado que os pescadores não conseguiam ter economias na sua esmagadora
maioria, e só mais tarde quando os barcos partiam para a pesca e começavam a
haver alguns ganhos, então iam regularizando aos poucos as suas dividas, até
começar tudo de novo inverno seguinte, de referir que os pescadores sem
ganharem mais por isso tinham de encalhar o barco, pintar, reparar as
redes e depois do defeso vinha o bota abaixo.
Referir ainda que Peniche além de atraso cultural, era profundamente
dividida por classes, até nos salões de baile, havia o Clube Recreativo, a
Associação Recreativa Penichense e o velho salão dos Bombeiros a que chamavam
“o esfrega”, por certo que correspondiam à própria divisão das classes mais
carenciadas às mais abastadas.
Em miúdo, lembro-me de alguns habitantes de Peniche de Cima
serem presos e perseguidos por serem contra o regime. Por exemplo, lembro-me do
Carlos Leiria e do irmão, do ti João Barbeiro (chefe dos Bombeiros), do ti Zé
do Carmo, do Zé Sales, do Álvaro Pitorro, do Belmiro Alves, entre outros.
Quando corria o ano de 1966, travei conhecimento com o
Horácio Rufino, cujo pai tinha vindo para chefiar uma grande padaria em Peniche
de Cima, do qual me tornei amigo. Tornámo-nos bons amigos e conversávamos sobre
tudo. Ele vinha de Vila Franca de Xira, um meio muito industrializado. Eu lia
muito sobre os mais diversos temas, o hábito da leitura vinha desde os 12 anos,
quando o carro da Gulbenkian parava em frente ao Café Moderno.
Paralelamente, tínhamos um núcleo de amigos em Peniche de
Cima, com o qual fazíamos tertúlias e onde se discutia sobre tudo. A este
propósito, lembro com saudade o Silvino Viola e o Zé Amaro, que animavam as
nossas noites com as suas violas enquanto entoávamos canções, chamadas de
intervenção, do Jorge Neves, Pedro João, Totoi, o “Querido” todos eles,
infelizmente, já partiram.
Este ambiente de
tertúlia começou na década de 1960, em pleno regime ditatorial, e criou raízes.
Os mais novos acompanhavam com imensa atenção as nossas discussões sobre política
local, nacional e internacional. Posso dizer que fui, a par de outros, um dos
dinamizadores naturais desses debates. Este costume continuou já depois do 25
de Abril de 1974, (já sem a minha presença) contou com a participação de pessoas
com um grau de instrução superior à nossa. Estou a lembrar-me, por exemplo, dos
médicos que vinham para a periferia. E, sim, aquilo era um café onde se
discutia tudo e onde se respeitava a ideia do outro.
O que nos unia era, sobretudo, a oposição a um regime que nos
asfixiava. Basta recordar, por exemplo, que na Escola Industrial e Comercial,
dirigida na altura pela directora Rolanda, os rapazes estavam separados das
raparigas, inclusive nos recreios. Ora, as raparigas, para acederem ao
vestiário e à papelaria, tinham de passar por um corredor envidraçado, onde nós,
os rapazes, as víamos passar. Como resolução do que seria um problema, a directora
mandou pintar todos os vidros (e eram muitos!) de branco para que não as
pudéssemos ver. Referir a obrigatoriedade de comparecer aos sábados na “ordem
unida” da mocidade portuguesa, este pormenor é importante pois era baseado nas
juventudes de Mussolini. Este era o regime vigente ali, o qual só foi aliviado,
e bem, quando veio o novo director Sardinha, que eu já não apanhei.
Mas, voltando ao Rufino, ele vinha de zonas muito politizadas
o que levava a que as nossas conversas acabassem quase sempre por recair na
situação política. Mas éramos dois jovens a querer viver a vida. Uma vez, em 1966
ou 1967, apresentou-me um amigo dele, sem nenhum deles entrar em pormenores
sobre a sua identidade concreta. Pediu-me para arranjar uma ida às Berlengas
para acamparmos lá os três. O barco foi o Berlenga, arranjei uma tenda
emprestada, levámos comida e lá fomos. Correu tudo bem até que, finalmente, o
tal amigo se apresentou, era filho de um preso político que estava no Forte de
Peniche. Até haver comida, lá continuámos. Creio que ao quarto dia voltámos.
Entretanto, fiquei a saber que ele estava numa casa para auxílio
aos familiares dos presos que vinham para Peniche passar uns dias e fazer as
visitas possíveis. Também fiquei a saber da solidariedade que existia em
relação aos filhos dos presos, no que diz respeito a roupas e não só. Cheguei a
vender uns selos para angariação de fundos de auxílio aos familiares dos presos
políticos
Como disse anteriormente fui para a Lisnave com 17 anos o que
me afastou de Peniche, e, em Outubro de 1968, fui para o serviço militar. Soube
mais tarde que o Horácio Rufino havia sido preso pela PIDE, quando estava no
ensino superior, e infelizmente já não está entre nós. Quanto ao outro amigo do
acampamento da Berlenga, vi-o 50 anos depois, num evento realizado na
Fortaleza, em 2017, na inauguração de um memorial de homenagem aos presos
políticos que passaram pela Fortaleza de Peniche.
Coisas e acções de que me lembro de antes do 25 de Abril
O CICARP era um núcleo de cinema da Associação Recreativa
Penichense em 1967, tendo durado até 1969. Teve um êxito extraordinário junto
da juventude e não só. Ainda se aguentou durante três anos com sessões de
cinema, filmes e documentários que não estavam acessíveis na sala de cinema de
Peniche, alguns proibidos. Havia debates depois de cada sessão e foi o CICARP que
organizou a primeira Feira do Livro em Peniche com um êxito estrondoso.
Promoveu sessões de poesia e música, nomeadamente com Mário Viegas e, penso,
com Adriano Correia de Oliveira. Foi uma pedrada no charco desta terra. Tendo
em conta que estava já no serviço militar, não acompanhei grande parte das
acções. Até que a Direcção da Associação (talvez pressionada) acabou com o
CICARP tal como este era, ou criou demasiadas dificuldades de modo a
extinguir-se.
Com o desaparecimento do CICARP, nasceu a Cooperativa
Livreira HUMUS, então, na ideia de uns tantos filhos de Peniche, grande parte
estudantes em Lisboa, outros trabalhadores a viver na terra. Aqui aproveito
para prestar homenagem aos grandes impulsionadores do projecto, e que já
partiram, Carlos Vital, Adelino Leitão, José Maria Costa, José Rosa e outros,
como dinamizadores da Cooperativa, redigindo os Estatutos, com reuniões em
Lisboa, e outro pessoal de Peniche ou a trabalhar cá, como o Desejável, o
Horácio Bombas, o Malheiros, e outros que não me vêm à memória, cada um a dar o
seu contributo conforme a sua disponibilidade (De referir que só menciono os
nomes de pessoas já falecidas).
A sede da Cooperativa Livreira era na Rua Estado Português da
Índia, e tinha uma cave que servia de armazém para os diversos materiais, sala
para reuniões quer de Direcção ou abertas a sócios. Os sócios podiam adquirir
livros com desconto, penso que à volta de 10%, inclusive os livros escolares, o
que dava grande jeito naqueles tempos.
Lembro-me que fui eu, numa das minhas folgas da tropa, a quem
alguém da Direcção pediu para fazer o Registo da Cooperativa no Tribunal das
Caldas da Rainha, onde tive, claro, de me identificar e ficar registado. Alguém
pôs a circular que se faziam reuniões políticas na cave da Cooperativa, o que
era mentira, e por decisão do Governo de Marcelo Caetano, através de um decreto,
penso que de 1971, a mesma foi extinta, à semelhança do que aconteceu a outras idênticas
no país.
Esta extinção deu origem ao nascimento da livraria Arco-Íris,
na Rua Alexandre Herculano, com instalações modernas, e onde também assisti a
uma sessão de poesia com o Mário Viegas. Não me lembro quando a livraria
encerrou.
Corria o ano de 1969, depois de Salazar ter caído da cadeira,
quando se dá início a uma tentativa tímida do regime marcelista de campanha
eleitoral, com eleições para a Assembleia Nacional. A CDE concorreu pela
primeira vez, além do partido do regime, a União Nacional, e da CEUD. Nas
sessões de esclarecimento, durante a campanha eleitoral, encontravam-se
normalmente dois agentes da PIDE na frente da sala, para melhor controlarem a
situação, além dos que estavam como informadores e que desconhecíamos. Nesse
período, dentro da minha Unidade, divulgava as ideias democráticas junto de
alguns camaradas, correndo, claro,o perigo que se sabe.
Já nas eleições de 1973, lembro que a sede era no primeiro
andar de onde foi a Associação Recreativa Penichense, na Rua José Estevão. Nesse
ano, como estava no serviço militar perto de Peniche, em Montejunto, sempre que
podia dava apoio e assistia a reuniões.
Entre 1964 e1973, lia o “Diário de Lisboa” ou o “Popular”, vespertinos
e o matutino o “Século”. Depois em 73 apareceu o “Expresso”, com uma visão mais
moderna da sociedade, que também cativava os leitores ansiosos por uma mudança
de ares.
De resto,importa sublinhar que, naquele tempo, não se podia
falar abertamente sobre nada e não podia haver ajuntamentos. Por exemplo,no
pátio da Escola Industrial e Comercial eram proibidos mais de três alunos à
conversa. Num café, ao conversarmos com amigos, tínhamos de espreitar por cima
do ombro, pois os informadores estavam onde menos se esperava.
Entretanto, a Guerra Colonial continuava e os nossos jovens,
alguns amigos e colegas de escola lá estavam. Alguns morreram, principalmente
na Guiné, Angola e Moçambique. Até que veio finalmente aquela madrugada que eu
esperava, como Sophia escreveu no seu poema “Esta é a madrugada que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo…”
Nessa altura, eu estava em Peniche, pois quatro dias antes tinha
nascido o meu filho e fiquei para as formalidades do registo de nascimento. Quando
no dia 25 de Abril vou para a Unidade, pelas 7 horas da manhã, na camioneta até
à Dagorda, onde esperava o carro da Força Aérea, que me levava para a Estação
de Radar na Serra de Montejunto, percebi que os sons do rádio não eram os habituais.
Além de haver silêncios, dizia-se então que havia um golpe militar em Lisboa. Quando
entrámos no carro militar, fomos informados da situação. Foi-nos dito que a
Unidade estava de prevenção rigorosa e os civis só podiam subir até à aldeia de
Pragança. Havia tropa a fechar a estrada de acesso ao cimo da serra. Esta
situação era desconhecida, mas como em 16 de Março tinha havido aquilo a que se
chamou o Golpe das Caldas, que fracassou, todos ficámos em suspenso. Como a Estação
de Montejunto dependia do GDACI de Monsanto, não tinha ainda aderido ao Movimento
das Forças Armadas, talvez algum ministro se tivesse refugiado nos subterrâneos
da Unidade de Monsanto (?). Fazíamos reuniões pelos cantos e o facto é que o
Comandante andava armado. Estávamos sem saber para que lado pendia.
Passou-se o dia 25, sabíamos que o golpe tinha sido vitorioso
para o Movimento das Forças Armadas, mas nós ali nada. Passou o dia 26 e 27,
dia de libertação dos presos do Forte de Peniche – e eu gostava de ter
assistido ao acontecimento, porque além do mais sairia o meu amigo Horácio
Rufino – mas continuávamos retidos. Até que no dia 28 de abril pudemos (os que
não estivessem de serviço) finalmente sair.
Para terminar, refiro que o dia 25 de Abril de 1974 representou
para mim, um dos dias mais felizes da minha vida e também dos mais importantes,
de todo o meu tempo de vida.
Quando cheguei a casa beijei a minha esposa, peguei no meu
bebé ao colo, e disse, estamos a assistir à revolução militar a que chamam dos
cravos, que será por ventura, a mais pura que os militares fizeram até hoje no
mundo por nós conhecido, e eu sinto uma alegria imensa, apesar das dificuldades
da vida.
FGV
14/04/2024
10/04/2024
09/04/2024
08/04/2024
Exposição Fotográfica de Francisco F. Felix - "ANIMALS" no CIAB
Visitei a exposição do amigo Francisco Fidalgo Félix no CIAB em Atouguia da Baleia, gostei do que vi, está como uma espécie de continuidade das suas publicações na rede social, tal como ele próprio diz fecha-se a Trilogia do Património Natural - Materiais Geológicos, Plantas e Animais. como apreciador de fotografia claro que há fotografias de animais feitas com outros meios e em outras zonas de outra qualidade, mas penso que o Francisco não teve em conta isso mas tão só a diversidade animal, que foi encontrando e que algumas até se podem enquadrar em material pedagógico, no fundo o objectivo foi cumprido. Já expressei os meus parabéns à exposição no livro e agora através deste meio quero reforçar o meu apoio e agradabilidade da exposição. Parabéns Francisco, que venha outra. Seguem algumas imagens captadas da mesma.
07/04/2024
26/03/2024
24/03/2024
22/03/2024
#fotografar
21/03/2024
20/03/2024
17/03/2024
14/03/2024
O barco "AVÔ RITA" foi desencalhado ao final da tarde 14MAR24
Depois de várias tentativas saiu finalmente da praia de Supertubos a embarcação "AVÔ RITA" que ali havia encalhado em 02MAR24. Na imagem o rebocador "MONTE da LUZ" trazendo-o de reboque.
13/03/2024
#fotografar
Se quisermos definir o que é o Património Histórico de Portugal, poderemos dizer que é uma riqueza que reflete a identidade, a memória e a cultura do país e será preservado para as gerações futuras, no nosso país o Património é classificado e dirigido pela Direcção-Geral do Património Cultural. Ora esta manhã no meu passeio fotográfico registei novamente o estado deplorável em que se encontra o pano exterior da Muralha norte do Baluarte da Gamboa, alguém está a falhar, porque um dia, pode ser tarde.
08/03/2024
À Conversa com... Maria Gertrudes - uma mulher do povo
Preâmbulo/Declaração de interesses – Esta conversa foi
gravada digitalmente em 2018 com a minha mãe, na altura com 90 anos de idade e na
posse das suas perfeitas faculdades mentais, nomeadamente a sua memória
fascinante. Hoje, a minha mãe ainda está viva, felizmente, agora com 95 anos, e
resolvi passar a escrito parte dessa conversa, que incide fundamentalmente sobre
as agruras de vida desde a sua infância.
“Chamo-me Maria Gertrudes Vieira
(MGV), nasci em Peniche de Cima e vivi no Forte da Luz até que a minha sogra me
chamou para viver com ela e o meu marido. Nunca aprendi a ler nem a escrever,
que foi sempre um desgosto para mim, mas nunca foi impeditivo de saber fazer
contas. Tenho uma história de vida muito difícil, mas sempre duma mulher
lutadora.”
Mãe, conte-me um pouco da sua história
de vida desde o princípio, aquilo de que se lembra.
MGV – Fui para o Forte da
Luz morar tinha 8 anos de idade, lá fui criada com os meus irmãos. Fui mais
criada no Quebrado do que em casa, com muita amargura, muita fome que passava,
eu e os meus irmãos. Depois, fui crescendo e quando tinha 9 anos chamaram-me
para ir servir. A casa para onde fui servir era rica, mas passava muita fome. O
que é que eu faço? Volto para casa e digo à minha mãe que já não quero ir servir
para aquela casa. Depois, apareceu outra que negociava peixe-seco, morava nos Quatro Cantos, tínhamos que ir com
aquelas caixas muito grandes para o Alto da Vela secar o peixe, púnhamos ao sol,
depois à tardinha tínhamos de ir recolher e acartar. Levei uma vida muito
amargurada, ainda era uma criança. Depois, com saudades dos meus irmãos, voltei
para casa.
Não tinha tempo para brincar?
MGV – Não, nunca tive
tempo para brincar, as minhas brincadeiras eram só no Quebrado, mas a minha mãe
começava logo a gritar por mim, para ir fazer isto e aquilo e vinha logo
corrida.
Mas, entretanto, começou a
trabalhar na fábrica do peixe…
MGV – Comecei a trabalhar
na fábrica do peixe com 13 anos, mas durou pouco tempo. Tinha uns 13/14 anos,
cheguei a casa da minha mãe e disse que queria ir para a fábrica. Fui para a fábrica
do Algarve Exportador, ganhava sete tostões à hora, mas aquele dinheiro não
rendia nada, passava fome à mesma. Então, disse à minha mãe que queria ir
vender peixe com ela, lá me comprou uma canastra mais pequena e fui com ela
para a venda do peixe, Íamos naquele rancho de seis ou sete mulheres pela
estrada fora, eu era a mais pequenina delas todas, chegávamos a um sítio em que
nos separávamos e cada qual ia para o seu lugar de venda nos diversos casais e
aldeias. Depois, juntávamos todas no mesmo sítio e lá vínhamos para casa (cheguei
a andar a pedir à noite, ia às casas mais ricas e davam sempre qualquer coisa
até me chegavam a dar um prato de sopa).
Quando chegava da venda, uma vez
tinha o senhor Joaquim Bilhau à minha espera, para ir trabalhar à noite nos
armazéns que ele tinha à entrada de Peniche de Cima, com tinas de peixe para
escalar e para salgar, para tratar do peixe até às 10 horas da noite, e assim
foi continuando, ele era uma pessoa muito bondosa e gostava muito de mim, nesta
altura tinha uns 14 anos. De resto, lavava roupas para fora, caiava as casas
durante parte do dia, lavava as roupas casas sempre em casa de pessoas com mais
posses.
O tempo passou e foi
crescendo, até que já ia sozinha para a venda do peixe. A que horas é que ia
para a ribeira para o peixe?
MGV – Eu ia logo à uma
hora da madrugada à espera dos barcos com peixe, chicharro principalmente. Depois,
trazia o latão carregado, lavava o peixe na bica de Peniche de Cima, ia para o
Forte da Luz que era onde morava com a minha mãe, pai e irmãos, e pelas três da
madrugada ia a caminho de S. Bartolomeu dos Galegos com o latão à cabeça, descalça.
Juntávamos um rancho de cinco ou seis e cada uma ia para o seu destino, íamos
sempre juntas até um certo sítio, normalmente era o Alto do Veríssimo, numa
zona de pinhal. Depois, separávamos, umas para o Toxofal de Cima, Toxofal de
Baixo, etc. e, à vinda para cá, juntávamos e vínhamos todas juntas. Se alguma
se atrasava, as outras espetavam uma cana na terra para avisar que já tinham
partido. Acontecia muito comigo, porque eu vinha de mais longe e ficava muito
triste quando chegava e via a cana espetada, então tinha de vir sozinha para
Peniche. Cheguei a ter os pés quase em sangue, lavava os pés com vinagre porque
estavam tão gastos que a pele era muito fina e quase em sangue. Sempre andei
descalça, só calcei sapatos dos 20 anos em diante. Depois, como já tinha dito,
dado que a fábrica não dava nada, continuei a vender peixe com o latão à cabeça,
a pé, descalça pelas estradas fora, inclusive com o meu filho na barriga até
que o tive com 21 anos.
Fui trabalhar a dias quando era preciso, nunca parava, nem me deixavam
estar parada, todas queriam que eu fosse trabalhar para elas, ia lavar roupa
para os pocinhos, depois ia lá uma rapariga com o meu filho para lhe dar mama,
a minha vida foi sempre uma vida de escravidão.
Depois que o tempo passou já ia
para a Usseira na camioneta, e quando tínhamos de ir para o Sobral da Lagoa,
tínhamos de subir à camioneta para pormos o carrego lá em cima. Subíamos as
escadas com o latão e púnhamos o peixe lá em cima, naquele tempo era assim, era
a camioneta do José Henriques. Primeiro, comecei de Peniche a pé até S.
Bartolomeu dos Galegos e para cá a pé também, depois mais tarde é que foi na
carreira das 10h30, já o meu filho era vivo. Fui para a Usseira, depois Sobral
da Lagoa, que tinha uma ladeira íngreme a subir com o latão à cabeça cheio de
peixe e com uma ceira para a ajuda das despesas. Depois, quando vinha para
baixo, ainda trazia roupa para lavar no rio cá em baixo debaixo da ponte, era a
roupa do meu filho, porque eu estava em casa da minha sogra e ela coitadinha
não podia, até que vinha para Peniche na camioneta das 6h30 da tarde. Foi
sempre uma vida muito difícil.
Até que, quando o meu filho
estava em idade de ir para a escola, o meu marido me retirou da venda do peixe
para eu estar mais em casa a tratar dele, mas depois não podia parar, pois
tinha de ganhar algum dinheiro e comecei a fazer rendas de Peniche até às 2 e 3
horas da madrugada, à luz do candeeiro, na casa da minha sogra que era onde eu
estava.
Dessas pessoas todas que iam a
pé vender o peixe aos casais quais estão vivas neste momento?
MGV – Desse tempo, das que
iam vender o peixe a pé para os casais, só quem está viva sou eu e a tia Olívia.
Há uma altura em que foi
trabalhar para a Unipeixe, com que idade?
MGV – Foi quando a
Unipeixe abriu, tinha eu uns 40 anos. Mais tarde, adoeci do coração e
reformei-me por doença, mas não me sentia bem parada e fui para o negócio da
renda. Vinha uma senhora de Portalegre buscar as rendas que eu ia comprando e
nunca houve problemas, até que umas deixaram de trabalhar devido à idade, e já
não compensava a senhora vir de Portalegre buscar poucas rendas. Depois deixei tudo,
ainda fui fazendo umas rendas para os netos, até a saúde o permitir. Depois já
nem à renda podia estar, por causa das dores das costas e arrumei a almofada
dos bilros para sempre.
Tenho 90 anos tive sempre uma vida de trabalho
duro e amargurado, mas valeu a pena. Tenho três netos e cinco bisnetos e nunca
houve problemas com o meu filho e nora, agora cá estou à espera da “carta de chamada”.
07/03/2024
#fotografar
Fotografar, é um acto solitário, em que nos encontramos sós (no meu caso sempre), tendo como companhia a máquina e nós próprios com todos os sentidos apurados, tento trazer o realismo da imagem que vejo para a máquina, depois ao analisarmos, verificamos que grande parte das fotografias não correspondem ao que desejávamos, tentamos noutro dia, e o que realmente queríamos pode ter sido captado, na fotografia que eu faço, a máquina não engana, ou é ou não é, nada depende de outros, registamos o que está ali, na paisagem, na rua, no mercado, é evidente que agora há software que altera tudo, põe pessoas onde não existiam, tira algumas que não devem estar, mete cabeças de uns no corpo de outros, etc. Não tenho nem quero ter conhecimentos para manusear essas aplicações, tal como as televisões do nosso quotidiano nos encharcam com tudo o que querem, para que docilmente as nossas mentes sejam manuseadas a seu belo prazer. Nos intervalos de fotografar para além de outras actividades que tenho de fazer, a minha segunda ocupação são os livros, continuo a comprar livros e a ler em todos os momentos disponíveis, que eu próprio dedico temporalmente à leitura, ler faz bem ao espírito, à mente e é um exercício que nunca deixarei de fazer enquanto física e mentalmente for capaz. Quem lê, mais dificilmente será ludibriado, desde os 10 ou 12 anos que leio frequentemente.