20/06/2017

A tragédia

O homem estava sentado na varanda de sua casa, aborrecido, o dia caía docemente, não se ouvia um murmúrio de vento, o fim de tarde era quente ainda, iria ficar por casa, ninguém o esperava em parte alguma, mas sentado, começaram a passar pela sua frente imagens em catadupa, as imagens dos últimos dias, que não consegue esquecer, um homem fala a custo mas com uma dignidade da perda da mulher e de duas filhas uma de 15 e outra de 12, brutal, não as consegui salvar dizia ele, noutra imagem passam um casal e os filhos que estavam desaparecidos e foram encontrados entre as vitimas, andavam em férias, felizes, ficaram na estrada, noutra imagem passa-lhe pela frente uma mulher a apontar para pó e cinza, isto é tudo o que tenho, nada, fiquei sem nada, nem uma cama para dormir, numa aldeia, morreram onze pessoas, o homem continua sentado, mas um nó na garganta torna-se numa quase dor, sabe, tem conhecimento pessoal, que há homens em Pedrogão Grande que lá estão desde o inicio do incendio, que não vêm a casa vai para quatro dias, que luta desigual, vê entrevistadores a querer acusar governantes em directo  e desliga a TV, não tem paciência,  e sentado na varanda vê que está num qualquer paraíso, porque o inferno está lá longe. Duas grossas lágrimas escorrem pela cara no silêncio do fim de tarde. Na sua varanda.  

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